O SUBORNOWenderson, o porteiro do colégio, negro, namorador, fanqueiro, louco por qualquer menina, quando saía à noite pra “catar”, como ele mesmo dizia, vestia-se de maneira quase irreconhecível, como qualquer jovem da sua idade. Boné, roupa dark, botas pretas, correntes, etc.
E naquela noite, enquanto se preparava pra ir à Quadra, recebeu um telefonema que o deixou mais animado ainda. A garota falava com voz macia, sensual, procurando se insinuar. Mas em determinado momento, quando a menina mudou o rumo da conversa, Wenderson ficou intrigado:
- Peraí, gatinha! Qual é a sua?
- Ué
bro, tô te falando?
- Ainda não saquei porque devo tirar uma foto da lourinha pra você. Qual interesse?
- Véio, vai
amarelar? Pô! Deixo o celular naquele lugar que te disse. Junto, três notas de R$ 100,00. O que você tem a fazer é...
- Mas....
- Posso continuar? – a garota pareceu irritada.
- Vai fundo!
- Tu pega o celular e as notas. Quando vir Andie, discretamente fotografa ela. E depois devolve o celular no mesmo lugar onde pegou. Quando devolver, tem mais duas notas de 100
pila* te esperando.
- Uau!!! – o rapaz deu um salto. –Tá valendo, gata!
- Tem que pegar o celular daqui a meia hora. Vai à Quadra?
- Já tô atrasado!
- Demore mais meia hora.Vai faturar uma grana legal! Vou colocar o celular no lugar combinado, ok?
- Ok, gatinha! Gostei da sua voz, sacou? Depois a gente poderia...
A resposta que obteve foi o corte brusco da ligação, que o deixou meio abobalhado.
Quem estava ao lado da garota, depois de desligar o telefone, estendeu duas notas de R$ 100,00 pra ela, que feliz com a recompensa, confessou:
- Putz!!! Nunca pensei que um trote me rendesse tanta grana!
Quem estava ao lado da garota acenou irritado, pedindo-a para se retirar.
Wenderson colocou o boné, ajeitou a calça cuidadosamente para que a beirada da cueca branca de grife aparecesse e olhou o relógio. Pensou nos 300
pila que iria faturar na maior moleza e se preparou pra ir ao local indicado.
2ª parte Meia hora depois, o porteiro pegou o aparelho, ao mesmo tempo em que uma idéia atravessou a sua mente. Iria descobrir o número do celular e assim faturar mais grana em cima de quem ligou.
Ao se dirigir para o baile fanque depois disso, ele nem imaginava que todos os seus passos estavam sendo matematicamente observados.
Três dias depois, Wenderson recebeu outro telefonema da mesma pessoa. Ele já havia fotografado a lourinha e iria devolver o celular. Embora fosse um aparelho de última geração, o rapaz não conseguiu descobrir o número. Acabou desistindo. Afinal, tinha ganhado R$ 300,00 na moleza.
Conforme combinado, deixou o aparelho num canteiro de gerânios e ficou escondido atrás de uma árvore pra ver quem viria buscá-lo. Passou-se muito tempo. O rapaz começou a ficar cansado e resolveu se sentar num banco meio escondido pela vegetação, quando passou por ele uma garota negra, linda, de trancinhas afro e bastante atirada, fumando.
Wenderson não resistiu quando a garota se sentou num banco de frente e ergueu a perna pra amarrar o tênis. Ele viu “tudo“. E “aquilo” deixou ele doidão. Levantou-se e foi até lá. Ela sorriu, disse um oi. O rapaz sentou-se tão perto que sentia o calor do seu braço.
- E aí, gata?
A menina, jogando o cigarro fora, completou.
- Estamos aí!
- A fim de um cineminha?
- Só... mas antes, me espera aqui? Vou ao banheiro do parque!
- Ok!
Ela saiu. Wenderson se lembrou de que estava na expectativa de descobrir quem vinha pegar o celular. Rapidamente correu ao local. O aparelho já não estava mais lá. Decepcionado, ele constatou:
- Droga! Vacilei! Ainda bem que vou
faturar a neguinha!
Assim que a garota contornou uma alameda florida, saiu de trás de uma árvore um motoqueiro, jaqueta de nylon, luvas de lã, botas sujas de lama e calça de moletom muito surrada. Irreconhecível, como qualquer motoqueiro de capacete. Não para a garota, que o esperava. Ele apenas esticou a mão sem ao menos abrir a boca e passou pra ela três notas de R$ 100,00. Com os olhos arregalados, a menina sorriu.
- Desde o primeiro telefonema pro tal do Wenderson, não consigo entender...
O motoqueiro, irritado, dando chutes numa árvore, tirou as luvas. E como se fosse esganar a negrinha, avançou na sua direção.
A menina saiu correndo e gritando. Ele também se assustou com a reação dela. Subiu apressadamente na moto e se mandou dali.
Assim que se viu seguro, o motoqueiro estacionou, retirou do bolso o celular com a foto de Andie e olhou-a cheio de ternura. Depois, num gesto propício de uma criança, encostou os lábios no aparelho como se estivesse beijando a lourinha.
Felício Galvão fechou lentamente o celular e guardou-o no bolso da jaqueta. Seus olhos brilhavam de felicidade.
Nota: pila é real em gauchês. Não se usa no plural.
Medo, ciúmes, intrigas e mistérios. Os ingredientes do
EPISÓDIO 20. Não perca! E não perca também umas perguntinhas pra testar o seu humor em
Na Ponta do Lápis.