Wednesday, June 28, 2006

EPISÓDIO 1

ACONTECEU NA FRONTEIRA

Tudo começou durante a travessia da fronteira austro-húngara, quando Andie regressava de Budapest. Ela estava sozinha num compartimento do trem, folheando um folder sobre a Alemanha, quando dois policiais abriram bruscamente a porta. Uma agente federal ruiva, sardenta, e um policial negro alto, de uns 95 kg abordaram a lourinha, segurando os coldres das armas e falando em inglês. Ao perceberem que ela não entendia nada, começaram a gesticular, falando ao mesmo tempo. Dirigiam-se a ela em alemão, em italiano, em francês e em outras diferentes línguas. Acho até que em latim.
Andie ficou assustada e confusa. Não entendia nada. De repente a agente ruiva ergueu-a pelo braço e fez um sinal para que ela a acompanhasse. Disse apenas estas palavras em inglês.
- Get up! Let’s go!
E sem chamar a atenção dos outros passageiros, atravessaram os corredores do trem em direção do toilette. As paisagens austríacas desfilavam diante dos olhos azuis de Andie, mas o medo a impedia de enxergar aquela majestosa beleza. Com voz trêmula e insegura, ela quis saber.
- Para onde a sra vai me levar?
A agente não respondeu. Limitou-se a empurrar Andie com mais força em direção ao toilette. Ao passar diante de uma cabine que estava com a porta semi-aberta, Andie ouviu alguém conversando e conseguiu captar as seguintes palavras em português - “A Condessa Flora di Garmignon vai estar em Salzburg no festival de música... “ Ela tentou se voltar para ver quem estava falando, porém a agente empurrou-a com determinação, comprimindo seu cotovelo a ponto de doer.
No toilette, gesticulando, ela pediu que Andie mostrasse o passaporte e tirasse os brincos. A lourinha obedeceu. A policial abriu os brincos, examinou-os, revistou Andie toda. Em seguida devolveu-lhe os brincos. Andie guardou-os num dos bolsos da jeans larga.

A história não terminou aqui. Andie foi levada para uma sala mal iluminada num dos compartimentos do trem, onde só havia um assento e um aparelho de TV desligado. Ela não saberia dizer quanto ficou ali, quando, de repente, a sala foi inundada de um azul pálido. Andie levou um susto, mas o susto durou pouco tempo. Surgiu na tela da TV um homem magro e cabeludo, de fisionomia coreana, usando paletó preto e camisa creme. Ela estremeceu ao ver a imagem fitando-a diretamente. No mesmo instante, a porta foi empurrada e apareceu um homem moreno falando uma língua não identificável. Andie só entendeu a sua intenção porque ele empurrava um carrinho de chips, refrigerantes e outras guloseimas. Lá da tela, o homem de fisionomia coreana fez um gesto para que o vendedor se retirasse. Em seguida sua voz preencheu o ambiente, o que deixou a lourinha atônita.
- Bom dia, senhorita! A polícia húngara deseja se desculpar pelo engano ocorrido! Se quiser dizer alguma coisa, posso ouvi-la!
Ele falava um português-brasileiro impecável. Tão claro e correto que a surpresa de Andie aumentou ainda mais.
- O que aconteceu? Por que estou aqui?
- Houve um roubo numa luxuosa joalheira de Budapest. Brilhantes desapareceram. A polícia recebeu um telefonema anônimo dizendo que os brilhantes estavam dentro de uns brincos, que foram vendidos por um cigano - aquele artesão que fica na praça, mas descobrimos que o cigano não tem nada com isso. O ladrão apenas usou-o, como já usou outras pessoas. Nossa polícia está atrás desse sofisticado ladrão, que vem atuando nas grandes cidades européias. E como a senhorita estava usando esse tipo de brinco...
Andie apalpou os brincos no bolso da calça. O homem pediu desculpas mais uma vez e anunciou:
- Está liberada! Pode voltar para a sua cabine. E mais uma vez, em nome da polícia húngara, desculpe!

Foram as suas últimas palavras. A tela voltou a ficar escura. Andie olhou para fora pensativa. A brancura dos Alpes desfilava interminável diante dos seus olhos.
Ainda meio aturdida com o que acontecera, ela deixou a sala. Viu os agentes que a abordaram anteriormente entrando em outra cabine. E viu mais policiais dando buscas por toda parte.
Andie seguiu pelo corredor e chegou em frente da cabine de onde vieram as palavras em português, procurando ver quem estava ali dentro. Chegou tão sorrateiramente que conseguiu ver dedos longos e delgados, incrustados de anéis, fazer deslizar rapidamente pela janela do trem, um par de brincos em forma de bulbo.

PS – Fiz essa foto na época do meu intercâmbio numa cidadezinha da Áustria, nas imediações da República Tcheca. Esse é um vilarejo perto de Mistelbach.