Friday, August 25, 2006

EPISÓDIO 13

O TROCO
Havia na Ala Oeste do Galeria uma lanchonete especializada em fast food dietético, muito requisitada por pessoas que queriam manter um padrão adequado de peso.
No mesmo dia, depois de alguns minutos do assalto à joalheria, apareceu no local uma mulher alta, elegantíssima, de cabelos negros a altura dos ombros e toda de preto. Entrou apressadamente no recinto e foi direto para uma mesa de dois lugares, quase escondida num canto. Mesmo vendo o garçom vindo na sua direção, sacudia a mão em gestos nervosos, convidando-o a se apressar. Um rapaz magro e louro, que usava calca preta, blusa azul turquesa e um avental branco à altura dos joelhos, atendeu-a.
- Pois não, madame!
- Chá de erva-doce, por favor!
- Madame, aqui não servimos chá. A nossa especialidade é sucos e sanduíches. Tudo natural!
- Eu não perguntei qual é a especialidade da casa. Pedi chá. – disse a mulher, abrindo a bolsa de onde sacou uma nota de R$ 50,00 e a faz deslizar discretamente sobre a toalha da mesa na direção do garçom.
Com uma expressão ávida no rosto, o rapaz olhou rapidamente ao redor e mais rápido ainda, embolsou a nota.
- E pra já, madame!
Em seguida, atravessou apressadamente o salão sem dar atenção aos chamados de outros fregueses e entrou na cozinha. Foi logo dizendo a um colega.
- A madame lá naquela mesa quer um chá de erva-doce!
O outro olhou na direção apontada e viu uma mulher de aproximadamente uns 35 anos, luxuosamente vestida, sentada com as pernas cruzadas de lado da cadeira.
- Mas não temos erva-doce!
- Não tínhamos! Esta nota aqui diz que temos. – exibiu a nota. - Agora, corre ao supermercado. Se não voltar dentro de 10 min, está despedido.
O rapaz saiu correndo pela porta dos fundos.
II
Depois que tomou o chá, a mulher chamou o garçom.
- O meu troco!
- Troco, madame? A sra ainda não pagou!
- Não? E aquela nota de R$ 50,00 que saiu daqui? – mostrou a bolsa.
- Pensei que...
- Pensou nada! Me devolve a nota ou faço um escândalo. "Você sabe com quem esta falando" – disse, num outro tom de voz e deu uma sonora gargalhada, olhando para cima, como se o nariz perfilado por uma milionária plástica estivesse mirando o teto.
Assustado, o rapaz saiu correndo. Imediatamente voltou com a nota. Ela se levantou, pegou a bolsa e foi saindo. Quando chegou na porta, voltou-se e falou para o garçom, apontando o dedo.
- Subornável!
III
Saiu rebolando pelo corredor e viu policiais postados nas portas do Galeria, que estavam todas fechadas. Achou aquilo estranho, mesmo assim foi andando na direção da saída. Uma policial feminina abordou-a.
- Documentos, por favor!
- Dá licença?
- Não pode sair!
- Eu paguei a conta!
- Senhora, não ouviu o alarme?
- Que alarme? Se toda vez que eu ouvir um alarme, sair correndo, fico maluca. Lá em casa tem alarme até no galinheiro.
Disse e caiu na gargalha, erguendo a cabeça para o alto e balançando os cabelos excessivamente negros de tintura, que roçavam nas costas. A policial não achou a menor graça e tornou a dizer:
- Documentos!
A mulher repetiu a frase que disse ao gerente da lanchonete, fazendo aquela voz impostada de gente importante.
- A senhora sabe com quem está falando?
A policial apontou para um ônibus parado no estacionamento do shopping.
- Ou prefere mostrar os documentos na delegacia?
Diante do argumento, ela abriu a bolsa e mostrou uma carteirinha verde, com emblema do governo. Imediatamente houve uma mudança de atitude.
- Júlia Conceição de...
- Fala baixo! Quer me matar de vergonha? Odeio esse nome!
- ... esposa do Ministro...
- Ai soa melhor! Pode falar alto, viu?
- Pode ir! Está liberada, madame!
Ela deu outra sonora gargalhada e saiu rebolando ainda mais, apontando para a policial com a mão esquerda. E com a direita, acenou para um táxi. O vestido negro coladíssimo no corpo e os dois braços abertos, davam a Júlia a aparência de um pássaro ensaiando o vôo.

E no EPISÓDIO 14, você verá pela primeira vez o renomado prof. Galvão em sala-de-aula em ECONOMIA VERMELHA. Enquanto você aguarda, leia o Na Ponta do Lápis.

Friday, August 18, 2006

EPISÓDIO 12

A DESCOBERTA
Felício Galvão era encantador em todos os sentidos, diziam as mulheres. Inteligente, bonito, alto, moreno e bem-sucedido. E o que ele tinha de melhor? Aparentava ser mais velho, sintoma de segurança. Possuía uma boa situação financeira, alimentada por algumas propriedades que ele não vendera na Itália e por outras adquiridas no Brasil. E sobretudo, gostava das pessoas indiferentemente, daí a razão de ser sempre procurado por todos que necessitassem de algo no colégio.
Assim que ingressou na escola, Clarice vislumbrou logo as suas qualidades. E vislumbrou a ponto de desejá-lo não somente como o seu braço direito. Queria mais. Felício educadamente ignorava o fato e ia levando somente o seu trabalho a sério.

Na semana seguinte em que Clarice chamou Dulcinéia à sua sala, Felício foi jantar num restaurante localizado no Galeria, um luxuosíssimo shopping construído em forma de circo, onde, no centro, localizava-se a praça de alimentação, os cinemas e um teatro de arena. Toda a cobertura daquele espaço era removível para que, nas noites de verão, os astros pudessem ser vistos através de um observatório. A cobertura, feita de telhas transparentes, filtrava toda a luminosidade que, juntamente com espelhos e vitrines, dava completa transparência e amplitude ao local. Corredores e divisórias foram construídos com vidro blindado, protegidos por estruturas metálicas pintadas em ouro envelhecido. A parte externa do shopping, onde não havia vitrines, era de tijolinho à vista, reminiscência de construções medievais. Arquitetura de vanguarda, onde antigo e moderníssimo se fundiam.
Local freqüentado por artistas, executivos, escritores, gente da moda e por quem procurasse badalação ou apenas desejasse ser descoberto por produtores e outros do ramo. Além disso, o shopping oferecia uma visão ampla das ruas laterais, nas sextas-feiras mais apinhadas de gente e carrões que entravam nos estacionamentos, monitorados por uma infinidade de circuitos ostensivos de TV.

O renomado professor sentou-se num canto do restaurante. Pediu um filé de peixe com salada russa, molho tártaro e água mineral. O restaurante estava lotado. Ele teve que esperar por muito tempo.
E enquanto aguardava, Felício olhou na direção do bar e notou que estava sendo observado por uma morena de saia vermelha, que exibia pernas de um encantador bronzeado de praia. A morena levantou discretamente o copo, fazendo a ele um brinde que era ao mesmo tempo um convite.
Felício agradeceu, inclinando a cabeça e virou-se para um outro corredor do Galeria, olhando distraído para a rua. Do lado de fora vinha um barulho intenso do trânsito e das pessoas. Táxis faziam filas intermináveis nas ruas laterais do shopping. Passageiros embarcavam carregados de embrulhos de compras. E belas mulheres caminhavam pelo calçadão em direção dos táxis, como se estivessem numa passarela, misturando-se com executivos, pintores... Adiante, bem mais adiante, coletivos paravam, acolhendo os passageiros que corriam apressados para embarcar. Em suma, essa era mais uma cena que a cidade oferecia aos seus olhos, sem acrescentar nada de novo.

Por instante, o foco foi direcionado para a confusão ocorrida no colégio. A correria dos estudantes. A gritaria. Andie fugindo. Depois, o encontro com ela na rua. A carona na moto.
Felício reviu aqueles olhos cinza de pavor readquirindo o azul quando o encarou. E sentiu novamente o toque quente de sua mão, quando a ergueu do amontoado de livros na biblioteca. Sentiu o seu perfume suave e estimulante. Sentiu intensamente toda a emoção desde que a viu pela primeira vez na secretaria.
O professor ficou inquieto. Desde o fim do namoro, nunca mais se apaixonou. Aprendeu a ficar sozinho.

Mergulhado em pensamentos, olhou novamente para a morena de saia vermelha, agora ocupada com um outro rapaz e dividida entre ele e um fã que lhe entregava um livro para autografar. Desviou o olhar. Defronte do restaurante havia uma cadeia de joalherias. Felício estava olhando as jóias reluzindo numa vitrine giratória, quando viu Andie sair da loja com Tina. As duas remexiam dentro da sacolinha e sorriam, contentes com o viam lá dentro. Felício, surpreso, não se conteve e gritou lá de dentro do restaurante mesmo:
- Andie!!!
Claro que a menina não ouviu e seguiu pelo corredor. Usava uma minissaia baixa, que deixava à vista a tatuagem às bordas do umbigo e mostrava um par de pernas que pareciam mais longas dentro das botas de cano alto. A blusa verde-água, colada no corpo, era adornada com pedras, contornando a gola em V até à cintura. Os brincos eram os mesmos, em forma de bulbo, aqueles comprados em Budapest. O seu andar tinha algo de celestial para Felício. Era um anjo flutuando pelo imenso corredor, seguido dos olhares cobiçados de todos os rapazes com quem cruzasse.

Sem pensar no que fazia, ele chamou o garçom. Queria sair correndo atrás da menina. Não sabia o que iria dizer. Que importava?
O restaurante estava superlotado e o garçom demorou. Felício ficou impaciente e resolveu sair, mas viu a lourinha e Tina pegando um táxi. Decepcionado, voltou a se sentar, quando ouviu soar um alarme no Galeria e pessoas correndo. No mesmo instante, seguranças armados avançavam pelos corredores. E em meio à confusão, um senhor idoso, entrando no restaurante, falou indignado, dirigindo-se a ele:
- Acabaram de assaltar a joalheria! Como pode?
Felício Galvão nem deu importância ao fato. Sua mente só via Andie entrando no táxi. Subitamente, ele descobriu algo que o fez sentir-se tristemente alegre. Descobriu que Andie von der Ghlantèe estava oferecendo ao seu coração algo que há muito tempo ele nem imaginava encontrar.

No Episódio 13 você vai ver o que o dinheiro é capaz de fazer. Vai conhecer também uma pessoa “adorável”, que veio com tudo pra ficar na trama. O nome dela é....
Enquanto nao digo o nome dela, leia Na Ponta do Lápis

Tuesday, August 15, 2006

EPISÓDIO 11

QUE MICO...
As serventes estavam lavando uma sala e acidentalmente deixaram escorrer água com sabão pelo corredor. Dulcinéia vinha carregando uma bandeja e falando ao celular quando escorregou e o aparelho voou longe. Uma garota morena, cabelos castanhos na altura dos ombros, com um diamante preso numa trancinha e aparelho nos dentes, numa agilidade incrível, pegou o celular antes mesmo que estilhaçasse no chão.
- Que mico! Ela estava com o celular desligado! Ih, quando você quiser falar no celular, tem de esperar alguém te ligar ou você ligar pra alguém. Tá sabendo? – esclareceu Tina, a filha do Ministro, entre gargalhadas.
- Me dá meu celular, creTina!
Falou Dulcinéia entre dentes, disfarçando para que ninguém a ouvisse e encarando com desafio a aluna de 1,68cm, a atacante do time de basquete do colégio.
Nesse momento veio chegando Andie. Usava uma minissaia jeans com a barra desfiada e uma blusa vermelha de alcinhas. Sem olhar para Dulcinéia, parou de frente as duas e cruzou as pernas. Exibia uma caríssima sandália, que parecia desenhada exclusivamente para os seus pés. Sorridente, dirigiu-se a Tina.
- E aí?
Tina começou a falar, Andie rapidamente entendeu a situação.
- Qual é, Tina! Entrega o celular da copeira!
- Meu nome é Dulcinéia, branquela!
- Entregue o celular de Dulcinéia, Tina!
- Andie, ela fingia que falava com alguém no celular. – Tina cai na risada outra vez, enrolando a trancinha com o dedo.
- Deixa pra lá! Vamos ao shopping? Minha grana já tá na conta! - convidou e descruzou as pernas, movimentando-se na direção da saída da escola.
- Que grana, Andie?
- Qual é, Tina? Bateu a cabeça? Não sabe que grana? – falou baixinho, como se contasse um segredo.

Através da janela do Laboratório de Línguas, alguém observava a briga de Dulcinéia e Tina. Quando viu Andie chegar, seu coração acelerou. E acelerou muito mais quando as duas amigas saíram quase correndo. Ao perdê-las de vista, o professor Galvão voltou ao seu trabalho de tradução. No entanto, a mente divagava. Quando percebeu, o pequeno texto que ele deveria passar para o francês estava todo em alemão. Pensativo, embolou o papel e atirou-o no lixo. Olhou novamente pra fora e só viu as serventes trancando a sala já limpa. Subitamente, ele sentiu vontade de sair correndo dali e procurar Andie. Achou engraçado o desejo. Não era de cometer loucuras. A sensatez é que o tornara uma pessoa respeitável no colégio.

De uma outra ala da escola, alguém mais observou a cena, porém com uma diferente intenção.
- Vou proibir a entrada dessa garota aqui no colégio – falou Clarice em voz alta, fechando a persiana.

E no EPISÓDIO 12... Felício ficou impaciente e resolveu sair, mas viu as duas pegando um táxi. Decepcionado, voltou a se sentar, quando ouviu soar um alarme no Galeria e pessoas correndo. No mesmo instante, seguranças armados avançavam...

Conheça meu blog de contos: Na Ponta do Lápis

Thursday, August 10, 2006

EPISÓDIO 10

YANA BAHRA
Final
Andie sai dali desolada, com a cabeça vazia, sem saber o que fazer. Anda sem destino pelas ruas. E quando um motoqueiro freia bruscamente quase junto de si, a menina leva um susto.
- Andie!
- Professor, o senhor?
- O trânsito está uma bagunça! Resolvi desviar por aqui e encontro você!
- Estão fazendo um vídeo para uma ONG.
- Não foi você que provocou a confusão, como naquele dia no colégio?
Ele está feliz por encontrar a lourinha pela segunda fez.
- Professor...
- Pode me chamar de Felício!
- Prefiro professor, se não se importa!
- Claro que não! – diz, meio decepcionado. - Quer uma carona?
- Beleza!
Andie coloca o capacete e sobe na moto. Hoje ela usa um jeans comum, camiseta de malha branca e tênis. Bem simples, mas o seu ar angelical encanta Felício. Distraído, ele enfia as mãos nos bolsos da jaqueta e não dá partida na moto. Fica ali, perdido em pensamentos, quando ouve a voz quase sussurrante no seu ouvido:
- Estou pronta!
- Onde quer que a leve? Desculpe, me pareceu meio desnorteada...
- Professor, o sr. adivinha estado de espírito também?
Felício percebe que se precipitou. E alisando os cabelos negros caídos na testa, justifica-se:
- Não quis ser indiscreto! Desculpe, Andie!
- Nada! Estava passeando pelas ruas. Pra conhecer mais a cidade.
- Quando volta para o Balneário Camboriú?
- Não sei... – pareceu hesitante. – Sei lá se volto!
- Não quis estrelar o vídeo? – brinca.
- Quem sou eu! Nem sei como faria isso!
Depois de longo tempo em silêncio, parado, Felício Galvão dá partida na moto, seguindo as direções da lourinha. Após dirigir alguns minutos, tem a sensação de que as suas costas foram tocadas ligeiramente. Apesar do vento frio, sente um calor galgar-lhe o peito. Mas repentinamente surge alguém gritando, roubando-lhe aquela sensação.
- Doido! Fique na sua faixa! Viu a fechada que você me deu? Maluco!
O motorista acelera o carro, ultrapassando-o e gritando, irritadíssimo.
- Maluco!!!
Felício percebe que o homem estava certo. Ele, por um momento, perdeu a direção da moto, perturbado com a presença da garota junto de si. Procura se controlar, quando a voz dela soa, tentando sobrepujar o barulho.
- Me deixa ali! Vou lanchar! Vamos?
- Vamos!
Felício estaciona de frente a uma lanchonete, mas imediatamente ela parece ter se arrependido da idéia.
- Vacilei, professor! Tenho que ir àquela loja antes!
Justifica-se. A voz soa triste e os olhos azuis fitavam-no intensamente, como se entendesse a decepção que está estampada no rosto de Felício.
- Ok, Andie!
- Tchau!
Felício Galvão faz a manobra. Andie não entra na lanchonete. Espera que ele saia. Felício não se decide. Sem saber porque, fica ali parado, olhando distraído as pessoas a sua volta. Outra vez a voz da menina despertou-o.
- Obrigado, professor! Pode ir!
- Tchau, Andie!
Ir não era o desejo dele. Queria ficar mais. Sentir o contato dela, o perfume discreto, o sorriso. Contra a vontade, vai acelerando a moto e se arrancando devagar. Vira-se rapidamente e vê a menina acenando. Por fim, contorna a esquina. Mal desaparece, a garota olha para todos os lados, como se procurasse alguém. Espera alguns minutos. Em seguida atravessa a rua e toma outra direção.

CRÉDITOS:
Foto: Paulo Brasil

E não perca o EPISÓDIO 11 - QUE MICO...
Você já ouviu falar em briga de cão e gato? Dois seres que por natureza não combinam? Gente, a coisa ficou feia entre Dulcinéia e Tina.

E não deixe de ler o Na Ponta do Lápis, ok?

Wednesday, August 02, 2006

EPISÓDIO 9


YAHA BAHRA
2ª parte
Enquanto isso, no set, o diretor está dando as últimas ordens.
- Atenção! Vamos gravar! Vai girando o palco lentamente... Eu disse lentamente!!! Você Yana, erga o braço direito, vai deslizando o braço e falando... fitando o infinito... com olhos abstratos.... Atenção! A cada frase da atriz, o figurante vai assumindo o personagem, ok?
Yana ergue a cabeça. E com a mão esquerda segura a capa para que não abra. E erguendo o braço direito, com gestos agressivamente ensaiados e uma voz impostada a ponto de não ser reconhecida, começa a falar:
“Busquem nos becos, os bêbados adormecidos.
Desatem os loucos de suas mordaças sanitárias.
Abracem e tragam no colo as putas das esquinas noturnas.
Troquem as roupas brancas e frias dos doentes nos hospitais.
Dêem o braço para os homossexuais enganados, amantes maltratados.
Façam um ninho de flores e nele transportem as crianças das ruas.
Tirem dos asilos os velhos abandonados, famintos e maltratados.
Peguem nas mãos os travestis tristes e borrados sob a chuva da ignorância.
Procurem as bailarinas dos cabarés pobres com uma túnica de compaixão.
Beijem as mãos e conduzam as mulheres feias, melancólicas, desamadas.
Busquem os solitários, os presos em seus terrores, os faroleiros.
Resgatem da escuridão os que sofrem por amor e choram sozinhos.
Encontrem as viúvas e as mães que perderam seus filhos.
Retirem da guerra os soldados, os rotos, saudosos, sozinhos.
Venham com as mulheres solitárias, sozinhas ou não.
Busquem os pecadores, os sem juízo, os amantes clandestinos
Carreguem em seus braços os cães abandonados
E os cavalos cansados do trabalho.
Vamos juntos à festa...”
E assim vai sendo feito. A cada frase que Yana Bahra diz, o figurante assume o personagem e a câmera se desloca para focalizá-lo.
Por fim, correndo, Sérgio grita:
- CORTA!!! CORTA!!! Perfeito! Terminamos, Yana!
A atriz literalmente arranca o capuz, abre os braços e deixa cair a capa, exibindo um corpo branco completamente nu, magro e escultural. Remexe os cabelos longos e louros. Seus olhos azuis ultrapassam a multidão como se fossem um radar. Instantaneamente, flasches pipocam por toda parte. Há um corre-corre de fotógrafos e fãs empurrando uns aos outros. A multidão, em delírio, começa a gritar.
- Y-a-na! Y-a-na! Y-a-na! Y-a-na!
Sérgio sobe correndo no palco.
- Ficou maluca? A nudez não faz parte do script!
- Improvisei, querido, improvisei!
- Ainda bem que posso cortar...
Quase espremida no meio daquela gente toda, Andie é tomada de surpresa. Sem se conter, grita:
- Meu Deus... mamãe! É a minha mãe! Mamãe!!!
O som de sua voz é abafado pelos gritos frenéticos. Andie tenta abrir caminho na direção do palco. A multidão enlouquecida a impede de sair do lugar.
No mesmo instante uma camareira chega correndo e cobre a atriz com um lençol de seda. E sem que ninguém perceba, prega algo na capa. Sob aplausos, Yana Bahra deixa o local. Policiais fazem um cordão de isolamento. Ela entra num carro estacionado debaixo do palco. O motorista avança lentamente pela rua. E da janela do banco traseiro, a atriz, com a mão direita, acena se despedindo, enquanto a esquerda movimenta-se agilmente, retira o objeto pregado na capa e esconde no sapato de bico fino.
O diretor, agora mais calmo, anuncia lá de cima:
- Atenção! Os figurantes cadastrados podem se dirigir à van para receber o cachê. Somente os cadastrados!
Os figurantes começam a deixar o set e se encaminham para a rua, formando uma fila ao lado da van, guardada por um forte aparato policial.
Novamente a voz do diretor soa no megafone.
- Agradeço a todos a presença aqui e peço desculpas. Infelizmente Yana Bahra não poderá conceder entrevistas. Seu vôo parte daqui a uma hora para Los Angeles.
Andie sai dali desolada, com a cabeça vazia, sem saber o que fazer. Anda sem destino pelas ruas. E quando um motoqueiro...
O poema que a atriz recita é de autoria de Saramar Mendes de Souza, do Blog Falares.
E no EPISÓDIO 10 - um reencontro emocionante, que vai mexer com você. Aguarde!!!
Enquanto isso, visite Na Ponta do Lápis